Foi um dia estranho.
Daqueles que apesar de sabermos o que nos espera não temos certeza do “como”.
Trabalhei, almocei, fui ao supermercado, ao cabeleireiro. Comprei
roupa nova, fiz maquiagem caprichada. Ganhei elogio e um olhar orgulhoso do meu
marido e me senti pronta.
Cheguei trêmula, ansiosa. Sinto- me assim sempre que sei que
vou encontrar gente que gosto. Tenho medo de não conseguir falar com todo
mundo.
Alguns cumprimentos na chegada e meu olhar passeia curioso. Listo
mentalmente os que vejo para depois abordá-los num abraço fraterno.
A cerimônia começa com certo atraso. Pessoas fazem uso do
microfone – umas muito mal, deixando-me
constrangida – outras tão bem que me emociono ao ponto das lágrimas e passo a
pensar, diante do que ouço, na minha ânsia de pertencer.
Chego à conclusão de que não pertenço a nada. Não faço parte
de grupo, de academia, de clube, de entidade, de ong. Não sou confreira, não
sou sócia, não sou voluntária. Não tenho turma no trabalho – até porque não
quero. Não tenho amigos.
Fico estarrecida! Não sou e nem tenho amigos. Não da maneira
que presenciei sentada na plateia. Não como aquelas pessoas que se pertencem e
se protegem.
Uma tristeza profunda toma conta de mim. Grande o suficiente
para ainda me acompanhar. Saio da cerimônia e sigo o plano original:
cumprimentar as pessoas que gosto. Não
as olho do mesmo jeito. Não as sinto mais como antes. Dentro de mim algo se partiu.
Vejo alguém que há muito não via. Dou-me conta de que
continua ao lado da mesma amiga – quase um pitbull - presente, defensora, protetora, fiel.
Abraços efusivos que se desmancham 10 segundos depois
deixando o vazio, o silêncio e a promessa: “precisamos nos ver mais”. E eu agora
me pergunto: - pra que mesmo?
Encontro velhos amigos antes tão próximos, que a vida se
encarregou de separar. Um copo quebrado – em cacos grandes – que colamos mas
que qualquer vento mais forte se encarrega de trincar.
Observo de longe pessoas que se abraçam, se acarinham e se
sentem verdadeiramente próximas e felizes.
Meu marido sugere e vou embora sem pleitear um só minuto a mais
naquele ambiente que antes de me encheria de prazer e alegria.
Dentro do carro o silêncio se instala enquanto penso nas
relações que estabeleci ao longo de quase ½ século de vida:
Tive sim amigas queridas, mas sazonais – algumas tão
verdadeiras e amadas, outras tão traiçoeiras e cruéis. Amigas na infância, no
colégio, na faculdade. Amigas em todos os lugares em que passei durante minha
carreira.
Tive amigos queridos em sua maioria. Alguns foram naturalmente
ficando distantes - e ainda morro de saudade. Outros, confesso, pouco me lembro.
Amigos na infância, no colégio, na faculdade e em todos os lugares onde
trabalhei.
Mas foram amigos na infância e não amigos de infância. Foram
amigas no colégio e não amigas de colégio. Pouco ou nada disso se perpetuou.
Tento não ser injusta e admito que às vezes reencontro essas
pessoas e é sempre muito divertido, muito carinhoso. Deixa até gosto de quero
mais. Mas, não nos pertencemos.
A pessoa que chega em casa é outra. É alguém que amadureceu forçosamente
em duas horas. Alguém que envelheceu num trajeto de oito quilômetros. Alguém
que passa, pela primeira vez a se sentir só. Alguém que chora de medo do
desamparo e da falta de proteção. Aquela proteção que só um amigo de verdade
pode dar.
Dois dias se passaram, a tristeza continua.
Dois dias se passaram e agora entendo o vazio que sempre
trouxe na alma.
Dois dias se passaram e agora descubro o lado bom disso:
Sou livre!
Sou livre para circular por todas as rodas, todos os clubes, todos os
grupos por onde eu queira.