Melancolia
“...A sua
tragédia onipresente me impressionou
tão
profundamente que me convenceu de que se
deve
destacar tudo, independente dos detalhes”.
Richard Wagner
Esse texto retrata a fala de Wagner
sobre sua obra Tristão e Isolda, mas caberia perfeitamente, como um argumento
de Lars Von Trier sobre Melancolia. Não é à toa que o diretor e roteirista usa
o Prelúdio da ópera em questão, para dar dramaticidade aos oito primeiros
minutos do filme.
Oito minutos que resumem o filme,
retratando inclusive que fatalmente a Terra será destruída pelo planeta que dá
nome à obra. A quebra do suspense, que poderia ser considerada um problema, na
verdade, nos possibilita prestar atenção em outras questões propostas.
Lars Von Trier, gosta de dividir seus
filmes em capítulos. Fez o mesmo com os perturbadores Anticristo e Ninfomania.
Melancolia nos apresenta dois: O primeiro leva o nome de Justine – personagem
vivido de forma majestosa por Kirsten Dunst e o segundo, de Claire, vivida pela
queridinha de Von Trier, Charlottte Gainsbourg.
O roteiro surgiu de uma conversa com
Penélope Cruz, sobre a Obra Les Bonnes
(As Criadas) do francês Jean Genet, que retrata a vida de duas empregadas domésticas
que, durante a ausência da patroa tratada na peça como “madame”, se revezam no
papel de donas da casa. Lars, admitiu em entrevista que as irmãs Justine e
Claire são uma releitura de Solange e Claire da peça de Genet. Indo mais a
fundo, poderíamos dizer que “madame” é retratada no filme pelo planeta
Melancolia.
Madame e Melancolia são belos, “ricos”
e agem de forma opressora e autoritária e são capazes de provocar grande humilhação.
A parte um, Justine, é ambientada na festa
de casamento da personagem com Michael - Alexander Skarsgård - organizada pela
irmã e paga pelo cunhado John - Kiefer Sutherland - que insiste em lembrar, a
todo momento, o quanto ficou cara a empreitada. Todo permeado de ironias,
cinismo e certo humor negro, o capítulo mostra de forma latente todo o egoísmo
da raça humana. A própria Justine, está completamente fora do lugar, incomodada
pelos rituais da cerimônia impostos por Claire.O pai delas, Dexter - John Hurt
–parece mais preocupado em dar atenção às Bettys sentadas a sua mesa e esconder
os talheres para provocar o garçom. O publicitário e chefe de Justine, Jack - StellanSkarsgård
(sim, ele é pai de Alexander), tenta tirar dela, durante todo o tempo, um
slogan para uma campanha publicitária e a mãe, Gaby - Charlotte Rampling - faz
um discurso em que desdenha a instituição casamento, a família e ironiza a
beleza da festa.
Aliás, é a partir da fala da mãe, que
Justine começa a revelar os sinais da depressão que a assola. A personagem
parece pedir socorro. Primeiro para o marido, que está mais preocupado com as
terras que comprou, depois para a irmã que insiste em que os rituais sejam
cumpridos. Recorre à própria mãe, que numa frieza aflitiva, aconselha que ela
pare de sonhar e por último para o pai, que num primeiro momento parece
disposto mas, fanfarrão, acaba não dando atenção.
O único alento é encontrado em Leo, o
sobrinho, vivido por Cameron Spurr, que carinhosamente à chama de “Aunt Steelbreaker”,
A tradução para português como "Tia Invencível" não reproduz a
realidade. Steelbreak é uma referência a um personagem de “World of Warcraft” –
um jogo de RPG- que tem uma aliança com o deus da morte através
da sua aura elétrica. Von Trier usa essa referência logo no início do filme,
quando raios saem dos dedos de Justine.
Durante a festa, a noiva dança com o
pai ao som de “Strangers in the night” e bebe com o marido ao som de “Fly me to
the Moon”, numa nítida intenção do diretor de enfatizar a ironia.
Em Claire – Parte dois, a luz muda, o
ritmo muda, os humores também. Começa uma inversão de papéis. Nenhuma outra
música é incorporada às cenas. Só Tristão e Isolda em alguns momentos. Os
diálogos são raros, os silêncios gritam. Justine mostra-se niilista. Tripudia
sobre a tentativa da irmã de salvar o filho, demonstrando uma força não vista
na primeira parte. A personagem parece aliviada com o suposto fim do mundo e
lida com a situação de forma surpreendente. Já a Claire, autoritária e
controladora da parte um, só aparece no momento, em que entra em conflito com o
marido para defender a irmã. Depois vai perdendo forças, vai se fragilizando e
entra em total desespero. John, passa da soberba à covardia. Só Léo, continua o
mesmo, carinhoso e indiferente à tragédia iminente, consegue que a tia, num ato
de compaixão, use da fantasia para tornar o fim menos dramático e assustador,
pelo menos para ele.
O filme transforma os atos humanos em
práticas patéticas e propõe uma reflexão: Diante da condição existencial
humana, defender a vida é importante de fato?
Das Curiosidades:
O papel de Justine, foi escrito para
Penélope Cruz que abriu mão do convite para atuar em Piratas do Caribe - Navegando
em Águas Misteriosas (2011).
A cena retratada no cartaz do filme, é
inspirada na obra Ophélia de John Everett Millais, que por sua vez se baseia na
trágica história de Ofélia (Hamlet - Shakespeare), levada à loucura e suicídio
depois que Hamlet mata seu pai.
John, na parte I do filme, pergunta à
Justine quantos buracos tem seu campo de golf. Ela responde que são 18 e ele
confirma, porém na parte II, quando Claire tenta fugir com o filho nos braços,
vemos nitidamente que ela passa pelo buraco de nº 19. “19º buraco” é um termo
usado por jogadores de golfe para dizer “Terminou o jogo. Agora vamos embora”.
As cenas externas foram rodadas no
castelo de Tjolöholms. As internas foram gravadas em estúdio, também na Suécia,
em Trollhättan.