Era um dia frio de julho. Apesar
do habitual calor da cidade, mesmo em tempos de inverno, aquela noite estava
especialmente gelada.
Havia se questionado na frente do
espelho, enquanto se maquiava, se devia mesmo ir à tal festa. Sabia não ter
nenhuma afinidade com aquela gente, mas não queria decepcionar o parceiro, o convidado de fato.
O par foi pontual, coisa rara. Ela
entrou no carro ainda relutante, e ele percebeu:
- Não quer ir?
- Na verdade, não. Mas me
comprometi com você e não vou voltar atrás.
Foram em silêncio até o local.
Por algum motivo que não se explica, tinha uma vaga na porta e ela imaginou
quem teria ido embora tão cedo.
- Deve estar animadíssimo aí
dentro, pensou de forma irônica.
A casa ficava no alto e para
chegar até a porta principal, tinham que subir cerca de 15 degraus. Lígia subiu o
primeiro lance, focada na escada, até que ouviu a voz ligeiramente estridente e
um tanto anasalada:
- Ahhhhh!!!!!! Até que enfim...
Bem vindos a minha casa!!!!!!!!
Levantou os olhos e deparou-se
com uma linda mulher no topo da escada. Saltos altos, vestindo
longo estampado, justérrimo, costas de fora, sem mangas, em tons dourados.
Cabelos presos displicentemente de propósito e um ornamento carnavalesco
amarelo ouro com pedras vermelhas, caído na testa. De propósito, mas nem tão
displicente assim.
Cumprimentaram a anfitriã e foram
conduzidos à mesa na área externa da casa. Tudo muito bem decorado com tapetes
persas importados, louças coloridas, velas, plantas, sedas. No melhor estilo
oriental.
Comida típica farta, servida por
garçons impecáveis. Bebida de qualidade, à vontade.
Sentada num canto sem muita
visibilidade, Lígia agradeceu poder ver sem ser vista e admitiu, estava se
divertindo com as cenas.
Mulheres vestidas como se
estivessem numa festa no reino de Senegal - incluindo o calor. Muito peito e
muita perna de fora. Sandálias altíssimas, muita pedraria, muita maquiagem,
muito botox, muito perfume, muita inadequação à temperatura glacial da noite.
Um certo doutor resolveu dar uma
palhinha cantando bela música com sua voz nem tão bela assim. A moça tímida - obrigada pelo pai orgulhoso- cantou um trecho de ópera e todos pareceram estar com alguma vergonha alheia. Músicos se
revezaram no violão.
O ápice da noite foi a bailarina em trajes de odalisca - bem sumários, por sinal - rebolando ao som de um tambor muito bem tocado.
Foram todos intimados a descer
até o local da apresentação.
Sentada nos degraus de uma escada
- apenas os convidados mais habitués ocupavam sofás e poltronas como tronos,
aliás! - lembrou-se de uma cena do filme "O Bebê de Rosemary" onde
todos os presentes, menos a pobre Mia Farrow, faziam parte de uma confraria que
adorava o demônio.
Só não se sentiu a própria
Rosemary, porque conhecia as histórias absurdas atribuídas ao grupo. De resto,
o que se passava ali , não era muito diferente. Nem a adoração a seres nefastos
podia ser desconsiderada.
No final da noite, exausta, mas
bem alimentada - foi preciso admitir - Lígia seguiu em silêncio para casa,
pensando como tinha sorte em ser apenas coadjuvante, naquele espetáculo.