Caso tivesse que definir o filme
numa frase, diria que se trata da escolha entre esquecer um amor para sempre e sofrer por um
amor que não é mais correspondido. Se questionada fosse, há alguns anos sobre
qual seria a minha escolha, diria sem pestanejar: esquecer. Hoje, ciente de que
somos o resultado das experiências vividas, escolheria o sofrer.
Houve um tempo, lá na minha
adolescência, que tive muita vontade de apagar um certo moço da minha vida. Na
época, dentro da minha ingenuidade, pensava: “Ah, como eu queria uma maquininha
que abrisse minha cabeça e tirasse o fulano
de dentro...”
Quando assisti “Brilho Eterno”, me lembrei imediatamente
daquele desejo que me acompanhou por alguns meses. No filme, Joel e
Clementine, personagens vividos por Jim Carrey e Kate Winslet, formam um casal
apaixonado que não consegue se relacionar de forma tranquila. Diante do
fracasso da relação, Clementine decide se submeter a um tratamento experimental
para esquecer definitivamente Joel, que quando descobre o feito da amada, por
vingança, resolve fazer o mesmo. No meio do processo, no entanto, ele se arrepende e
começa uma jornada para levar Clementine aos “lugares” de sua mente aonde ela
não possa ser apagada.
Diferente de Clementine e Joe, o par da
minha história e eu, não tínhamos problemas no relacionamento. Era ótimo, mas
ele nutria uma necessidade de estar com muitas meninas ao mesmo tempo e isso
não fazia parte do meu sonho, claro. Também nos tornamos facilmente estranhos. Não houve o cuidado de guardar na memória.
“Brilho
Eterno” flerta com o bizarro para surpreender o espectador. O título do filme - lançado em 2004 - foi
inspirado no poema “DE ELOISA PARA ABELARDO” de Alexander Pope (Inglaterra,1688
– 1744). O diretor é Michel Gondry mas a grande estrela é o roteirista Charlie
Kaufman (de “Quero Ser John Malkovich”) que ganhou o Oscar de roteiro original
pelo trabalho.
O filme faz uma crítica ao
comportamento prepotente que tenta, invariavelmente, recriar a memória ruim para
evitar a dor, sem entender que assim como o amor, a dor também nos define.
Mas, muito além de uma história
inusitada, sobre um tratamento alternativo e estranho, muito mais do que a
tentativa de criticar o comportamento humano, trata-se, na minha opinião, de
uma grande história de amor. Mesmo que pareçam incompatíveis, Joel e Clementine
vivenciam um amor intenso, verdadeiro – aquele tipo que apesar de todo o
esforço, não conseguimos apagar de nossas lembranças. Isso fica claro no decorrer
do filme.
Num dado momento do filme, a
personagem de Kirsten Dunst, declama parte do poema de Pope:
“Feliz é a inocente
vestal / Esquecendo-se do mundo e sendo por ele esquecida / Brilho eterno de
uma mente sem lembranças / Toda prece é ouvida, toda graça se alcança”.
O poema sugere que a única maneira de
ser feliz é esquecendo e tornando-se esquecido e que a graça só existe na
ausência da lembrança. O autor fala sobre mentes imaculadas e corações
resguardados, que teoricamente não são assombrados por lembranças daquilo que
fomos um dia e que miseravelmente, nunca mais voltaremos a ser.
O fato, é que não temos como “abafar
os ecos de relações ou circunstâncias” que um dia vivemos. Nos esforçamos para
esquecer, mas basta um cheiro, um lugar, uma música e somos transportados aquele
momento de paixão que quase fez nosso coração parar.
O que seríamos hoje, caso não
tivéssemos vivido experiências tão importantes, mesmo que tenham significado
noites em claro, dor no peito, lágrimas infinitas? Abrir mão dessas lembranças,
seria correr risco de abrir mão de muito do que somos.
Diante disso, concluo que o “Brilho”
que se perpetua nesta mente sem lembranças é Clementine para Joel e Joel para
Clementine.
Das
curiosidades: Há teorias de que cada cor dos cabelos de Clementine foi usada
para expressar um estado de espírito diferente. O azul representaria ora a
harmonia de Clementine com seus próprios sentimentos e com a relação
estabelecida com Joel, ora a frieza da personagem. O verde, seria a esperança
depositada no começo do relacionamento, o laranja nos momentos de crise e o
vermelho como o ápice do amor entre os dois personagens.