Plínio foi uma criança
estranha. Parecia não pertencer àquela família. Mãe dedicada, pai indiferente,
casa pobre de chão de batido. Cenário caótico
o suficiente para os chiliques do menino que odiava pés sujos.
Quando cresceu, na primeira oportunidade,
abandonou a vida da qual se envergonhava e partiu para buscar seus objetivos. O
ar arrogante, que num primeiro momento parecia auto-estima, logo era percebido
como a máscara para seu complexo de inferioridade.
Desde muito jovem, apresentava
uma incrível inteligência, uma dificuldade em demonstrar afeto sincero e uma
impossibilidade de se comprometer em longo prazo. Valia-se da inteligência para
compensar as falhas de comportamento e conseguia, por um bom tempo, convencer
as pessoas no seu entorno de que podia ser afetuoso e comprometido.
Cansava-se facilmente de tudo:
as aulas de violão, os desenhos, o jogo de futebol. Lia três, quatro livros ao
mesmo tempo, numa tentativa vã de preencher o vazio crônico em sua alma. Inquietação
interpretada, pela família, como um desejo de saber de tudo rapidamente. A
ingenuidade da compreensão, fez com que Plínio achasse muito normal - diante da
insatisfação que o assolava de tempos em tempos - abandonar tudo sem culpa.
Nunca teve amigos com os quais
pudesse contar. Não os cultivava, mas achava-se uma vítima da solidão. Em
momentos de crise, chorava com angústia e medo do futuro que se desenhava.
A vontade do novo, do “fresco”
quando manifestada, era incontrolável. Nada o detinha. Deixava simplesmente
tudo pra trás e começava do zero, com a roupa do corpo, se assim fosse
necessário.
A naturalidade com que se
desprendia do passado devastava os que ficavam para trás, e sua capacidade de
recomeçar em tempo recorde era assustadora e dolorida para quem assistia a
distância. Em poucos dias, tornava-se um estranho. Mudava de estilo, de cabelo,
de companhia. Mudava de ares, de bares, de beijos.
Plínio não parecia ser um homem
raso. Era capaz de uma entrega profunda nos primeiros meses. Profunda o
suficiente para conquistar. Com o passar do tempo, sufocado, ia subindo aos
poucos à superfície. Mas, como não sabia nadar, sempre precisava de alguém que
o amparasse enquanto boiava para longe.
Entre profundos mergulhos e
emersões de proporções “tsunamicas “, passou a vida sem criar laços, sem estabelecer
vínculos mas – dizem - foi feliz fazendo sempre só aquilo que quis.
Plínio morreu ontem, aos 123
anos: numa profunda tristeza nos braços da solidão.
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