Sobre o Conteúdo do Blog

Blog de histórias reais e de ficção.
Um lugar para expor opiniões que provoquem dor ou delícia!
Qualquer semelhança com histórias ou comportamentos reais poderá ter sido mera coincidência. Ou não!



sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Tendo a lua como testemunha


A noite estava gelada, e o elegante sobretudo que ele usava ajudava a amenizar o frio que ela sentia. Parados na frente do bar, a avenida - já com pouco movimento - testemunhava a troca de olhares o constrangimento que pairou sobre eles. Tinha sido uma noite estranha.
O convite, feito por ele de forma inesperada,  veio no meio da tarde:  Happy hour para relaxar depois de um dia estressante de reuniões. Uma confraternização, entre os gerentes da empresa da capital e do interior. Parecia despretensioso e ela aceitou. A noite, já sentada à mesa do bar aconchegante, tomando um chopp, apesar do clima, começou a estranhar a demora na chegada dos demais convidados.
Foi numa brincadeira feita num guardanapo, que ela guardou por anos, que entendeu que aquilo tudo tinha sido armado para que  pudessem ficar sozinhos. A desculpa foi "quero conhecer você melhor".
Quando o carro chegou um beijo rápido, quase roubado, selou o encontro. Dirigindo pelas ruas paulistanas se sentia confusa, perturbada. Como reagir diante das investidas daquele, que até então se dizia tão bem casado?
Dias depois recebeu um telefonema e um novo encontro foi marcado. Dessa vez, nenhuma desculpa. As intenções estavam claras.
Resolveu que nada tinha a perder e foi aberta a novas experiências.
Não se orgulhava da posição que aceitou ocupar, mas tinha consciência de que era livre.
Viveram uma linda história de amor. Na maior parte do tempo entre quatro paredes, mas tinham muito em comum. Conversavam horas, riam e choravam juntos. Naqueles momentos não se sentia a outra e nem tinha por que. A dedicação, o cuidado, o carinho, a preocupação a faziam dela uma mulher feliz.
Sentia-se desejada. Nunca houve um momento de discussão, não conheceu desrespeito. Não havia cobrança. Cada um sabia o seu papel e o tamanho do seu espaço.
Optaram por não saber, dentro do possível - como era a vida do outro fora da relação.
Trocavam presentes. Trocavam olhares que pareciam parar o tempo. Trocavam confidências, esperanças, traumas, alegrias.
Os momentos separados eram igualmente intensos. Tinham músicas, tinham códigos, tinham a lua.
Ah, a lua! A lua era o balizador da sintonia. Ela aparecia e uma música tocava. Nesse momento, buscavam os celulares e trocavam juras de amor eterno. Eterno enquanto durasse.
Os códigos eram para os momentos em público. E como eles se divertiam no meio das pessoas. Dançavam com outros pares, riam em outras companhias, mas sempre se buscavam num olhar cúmplice.
Tiveram seu melhor momento numa noite onde estavam presentes a música, a lua, os amigos comuns e uma vontade incontrolável de parar o tempo. O que viram e ouviram parecia endereçado a eles. Era essa a lembrança que os fazia sorrir nos dias cheios da ausência um do outro.
Os anos foram passando e a vida lá fora fazia suas exigências. Eles sentiam que o tempo que restava era curto.
Não houve a tranquilidade quando veio o fim. Ela demorou meses para se recuperar. Ele demorou alguns anos para entender a decisão dela.
Tentaram retomar, não foi igual. Então perceberam que não havia mais o olhar, não havia mais a magia e conseguiram se libertar.

Hoje ele ainda se encanta diante do luar e ela ainda se emociona quando ouve aquela canção:

“I heard he song a lullaby. I heard he song it from his heart...”   

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Dores e delícias do primeiro amor.


Há uma máxima que diz que o primeiro amor a gente nunca esquece. Deve ser verdade porque sei exatamente quando o meu começou.
Foi num sábado de 1971, calor infernal em Pontal, onde na época meu tio era o prefeito.
Fomos, meus primos e eu, ao Cine São Carlos. O filme, um western com Yul Brynner.
Sentado no meio daquela molecada, ele. Lembro do momento que o vi e do alto dos meus sete anos disse para minha prima:
- “Quero me sentar atrás daquele menino. Acho ele bonito.”  
Detalhe, como assim bonito? Eu só o havia visto de costas. Ela, com dez anos e bem mais saidinha que eu, disse:
- “Atrás por quê?! Vamos é sentar do lado.”
 E lá fomos nós. Coração batendo forte precisei de coragem para me sentar. Nem olhei para o lado.
Já era a segunda ou terceira exibição do filme naquela semana, e ele já havia assistido. Passou quase todo o filme contando o que ia acontecer. Sinceramente, nem me lembro do rosto dele naquele dia. Sei como era a tela do cinema e algumas cenas do filme, que não sei o nome. Sei também que desenvolvi uma fixação pelo ator principal.
Foi amor a primeira vista. E um amor tão puro, tão forte que até pouco tempo atrás, acreditava que éramos almas afins que tinham se reconhecido.
O sentimento alimentado pelas minhas fantasias se fortalecia. Ele era o meu príncipe encantado. Lindo, inteligente, de boa família. Aliás, o assunto família era um caso a parte. Tínhamos tios casados, primos comuns e diversos outros elos. E eu achava que tudo isso era a prova da minha teoria sobre almas gêmeas.
Os anos foram passando, mas o “amor” que eu sentia não. Pelo contrário, ia aumentando, ficando mais esperançoso.  Aos 13, arrumei um namoradinho na cidade, com a clara intenção de despertar ciúmes. E não é que deu certo? Uma semana depois, lá estava ele, vindo em minha direção no clube da cidade. – “Meldels, o que faço agora?”
Conversamos, ele me pediu em namoro e eu, claro, aceitei na hora.
D. Tereza, minha mãe, tinha uma regra clara: 10 horas em casa. Quando o relógio da igreja bateu nove e meia senti um medo danado. Sabia que tinha que ir embora e que isso significava dar o meu primeiro beijo nele.
Os meninos daquela época eram cavalheiros e nos acompanhavam até a porta de casa. Lá fomos nós, caminhando pelas ruas de Pontal City, conversando de mãos dadas. Na esquina ele parou. – “Jesus, é agora”!!!
Passei a noite em claro, pensando em cada detalhe, em cada frase, em cada olhar.
Foram duas semanas mágicas. Começava a conhecer sua forma de pensar. Podia ouvir sua voz, seu riso. Era o amor platônico mudando de status, passando a real.
O namoro durou pouco, não suportou os 320 km de distância que nos separava. 
Como aceitar o fim? Fui do paraíso ao inferno, com milhões de diabinhas assediando o que  considerava meu.
Mais alguns anos e lá estava ele de novo, ao meu lado, pedindo pra voltar. Meses de paraíso seguidos de outros anos de inferno. E essa fórmula se repetiu mais duas ou três vezes.
O inacreditável é que no meio de tudo isso, eu sabia tudo sobre ele. Sonhava com coisas que aconteciam antes delas acontecerem, tinha premunições acordada. Sentia o que ele sentia. Sabia quando ele sofria, e sofria junto. Ninguém precisava me contar nada.
Passei a planejar minha vida para estar sempre por perto.
Quando a mãe dele adoeceu, foi no meu ombro que ele chorou e mostrou seus medos e inseguranças. Era Carnaval de 82 e foi a última vez que estivemos juntos. Conversamos muito, rimos de verdade e choramos sem reservas. Foi quando ele me ensinou a dirigir, quando ele me fez ouvir Jane Duboc, quando percebi que ele era mesmo tudo aquilo que eu acreditava. Meses depois a mãe dele morreu. Peguei o primeiro ônibus e passei todas as horas do velório e do enterro junto dele em silêncio compactuando com sua dor.
Depois disso, nossas vidas tomaram rumos diferentes. Acabei me rendendo a São Paulo e fui fazer faculdade, trabalhar com propaganda, conhecer pessoas. Namorei, fiquei noiva.
Numa noite em maio de 88 o telefone de casa tocou meio fora de hora. Desci a escada para atender e antes mesmo de tirar o aparelho do gancho sabia qual era a notícia:
- “Chris, tudo bem, você tá sentada?” - era meu primo Eduardo. Eu imediatamente perguntei a ele
– “Tudo bem, Du, quando é que ele vai casar? E pra quando é o nenê?“. Atônito ele retrucou:
- “Quem foi que te ligou pra contar?” e eu respondi:
- “Ninguém precisou me contar Du. Eu já sabia”
Naquele dia, imaginei que o cordão energético que nos unia seria rompido com o casamento.
Nos anos seguintes, nos vimos algumas vezes em casamentos, aniversários, festas. Meu coração sempre parecia que ia sair pela boca quando sentia a presença dele.
Sonhei com ele durante muito tempo. Um sonho recorrente, onde eu perguntava: - “Você é feliz?” Nunca ouvi a resposta.  
Sábado passado, no shopping eu o vi de longe, com a mulher e o filho e tive certeza que hoje, quarenta anos depois do encontro no cinema, não sou mais capaz de saber o que ele sente. Não sei o que ele faz e nem sei mais quem ele é de verdade.
Só sei o papel que ele tem na minha história: O menino lindo e gentil, que me ensinou numa tarde quente de verão o significado da palavra amor.
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